Conter sentimentos negativos não significa negar as suas emoções
Em meio às discussões nas redes sociais contrárias ao pensamento positivo, classificando como “positividade tóxica”, sempre acho importante falar sobre o limite entre o discurso de que “está tudo bem você sentir raiva” e as ações que podem ferir outras pessoas. Quem se entrega às emoções e pensamentos negativos, inevitavelmente se acostuma com eles. O resultado é ficar cada vez mais propenso a rompantes e explosões de humor e acabar sendo controlado por esses sentimentos.
Recorro à reflexão de Dalai Lama em seu livro “Uma ética para um novo milênio” onde aborda que a paz interior (principal característica da felicidade) e a raiva não podem coexistir sem que uma aniquile a outra. Não há lógica buscar a felicidade se não fazer nada para conter a raiva, rancor ou agressividade. A santidade budista não está orientando a evitar levantar a voz para maus governos ou abusadores e corruptos. Ele se refere ao comportamento em nossa rotina diária. “Reprimir a raiva e nossos pensamentos e emoções negativos não significa negar nossos sentimentos. Há uma importante distinção a ser feita entre negação e contenção. A contenção consiste em adotar o hábito de avaliar as vantagens em agir desse modo. É muito diferente de reprimir emoções como a raiva porque acha necessário demonstrar autocontrole.
A psicologia ensina o exercício de externar os sentimentos para não ser consumido por eles, mas isso deve ser feito de forma equilibrada. Se expressarmos indiscriminadamente pensamentos e emoções negativas sobre pretexto de que precisam ser reformulados, há uma forte possibilidade de perda de controle e reação exagerada. Sendo assim, é imprescindível ter critérios, não só quanto aos sentimentos que expressamos como à maneira como são expressos. A felicidade genuína, ressalta Lama, caracteriza-se pela paz interior e surge dentro do contexto de nossos relacionamentos com os outros. Portanto, dependem de uma conduta ética. Mas como mudar isso?
A ética da contenção é complementada pela ética da virtude. Modificar nossos atos e nossa índole para que nossas ações expressem compaixão exige cultivar e reforçar nossas qualidades positivas. “Ah, mas eu tento e não consigo”. Essa frase serve para várias atividades que fazemos: tentar meditar, controlar as explosões de humor, as palavras…nada disso é fácil. É um caminho longo, porque qualquer transformação vem com o tempo. Levamos muito tempo para sermos como somos. As emoções aflitivas nunca perdem o vigor, ao contrário de nosso corpo, pois é um trabalho para uma vida inteira. E para isso, não devemos comparar nosso progresso com a meta final. Até lá, pratique a ética da contenção e descubra e desenvolva as suas qualidades de respeito, cuidado e compaixão.
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